Se Hollywood precisasse de um ator para representar um vilão num
filme sobre o combate à pirataria on-line, não poderia escolher melhor
do que Kim Dotcom. A imagem do programador de computadores alemão e
fundador do Megaupload, serviço de armazenamento de arquivos on-line, é
mais ameaçadora do que a dos inimigos de James Bond. Kim Schmitz, que
mudou legalmente seu sobrenome para Dotcom, vivia em uma mansão de US$
24 milhões nos arredores de Auckland, Nova Zelândia, e dirigia carros de
luxo com placas onde podia-se ler "Máfia" e "Culpado". O ex-hacker foi
condenado no início de 2000 por envolvimento em um dos maiores
escândalos relacionados com negócios baseados em informações
privilegiadas na Alemanha.
Agora, ele está novamente com problemas legais. Em 20 de janeiro, a
polícia neozelandesa prendeu Dotcom com três colegas de trabalho, como
parte do que poderá ser maior o processo de infração criminal de
direitos autorais na história. As autoridades americanas acusaram os
quatro de, intencional e repetidamente, violar a lei de direitos
autorais, alegando que os executivos sabiam do conteúdo ilícito em seus
servidores e remuneravam usuários que fizessem ’upload’ de materiais. A
polícia da Nova Zelândia diz ter encontrado Dotcom na "sala de pânico"
da mansão com uma espingarda ao seu lado. Em 25 de janeiro, foi negada a
Dotcom a opção de pagamento de fiança, embora seus advogados estejam
apelando - e ele poderá ser extraditado para os EUA. Não foi possível
entrar em contacto com Dotcom para que comentasse o assunto.
Os setores musical e fonográfico esperam que as autoridades
americanas tratem Dotcom exemplarmente. Sua empresa faturou US$ 175
milhões em receitas totais, segundo acusação do governo dos EUA. E é
exatamente isso que preocupa o mundo tecnológico, especialmente os
serviços de armazenamento on-line que, como o Megaupload, permitem aos
usuários guardar dados (pirateados ou não) remotamente e acessá-los de
qualquer lugar.
Muita gente no Vale do Silício diz que a ação do governo contra o
Megaupload afugentará investidores e empresários que poderiam criar o
próximo Dropbox - site no setor de armazenamento em nuvens fundado em
2007 e avaliado em cerca de US$ 4 bilhões. "Há uma questão efervescente
sobre efeitos colaterais", diz Andrew Pontes, sócio na empresa de
advocacia Fenwick & West, que trabalhou para o Megaupload em um caso
não relacionado. "Acho que os setores que dependem de copyright
decidiram incapacitar os armazenadores cibernéticos por meio de
intimidação". O advogado do Megaupload nos EUA, Ira Rothken, comparou o
Megaupload com o YouTube - pertencente ao Google - e diz que o governo
está reagindo exageradamente.
Outras empresas especializadas no armazenamento em nuvem estão se
distanciando do lucrativo modelo de negócios do Megaupload. "Isso nada
tem a ver com o que fazemos", diz Daniel Raimer, advogado e porta-voz do
serviço RapidShare, com sede na Suíça. Na esteira das detenções, outros
fizeram alterações em seus serviços. A Filesonic.net informou aos
usuários que eles agora podem acessar apenas os arquivos que eles
próprios armazenarem. O site Uploaded.to bloqueou inteiramente o acesso a
seu serviço por parte de usuários dos EUA. Até certo ponto, isso é o
que Hollywood quer. "Acho que isso muda o cálculo", diz Kevin Suh, um
executivo especializado em proteção a conteúdo na Motion Picture
Association of America. "Talvez a violação de direitos autorais não seja
mais tão atraente".
Cary Sherman, executivo-chefe da Recording Industry Association of
America (RIAA), diz que alguns serviços, como o Dropbox, são claramente
legítimos. Mas entre o Dropbox e o Megaupload há uma enorme área
cinzenta. Nos EUA, a lei que equilibra os interesses dos proprietários
de conteúdo e empresas de tecnologia é o Digital Millennium Copyright
Act (DMCA). De acordo com a lei, empresas de internet são admitidas a um
"porto seguro" e isentas de responsabilidade por qualquer desrespeito a
direitos autorais que ocorram em seus sites, desde que não tenham
conhecimento disso e rapidamente derrubem material protegido por
direitos autorais, depois que os detentores desses direitos assim
solicitarem.
Até agora, os tribunais têm dado as empresas de tecnologia ampla
liberdade nos termos do DMCA. Eric Goldman, professor da Faculdade de
Direito de Santa Clara University e especializado em questões levantadas
por novas tecnologias, como computação em nuvem, diz que processos
criminais podem ser uma maneira de contornar as limitações do DMCA,
porque a proteção de "porto seguro" não se aplica (a esses casos). "Os
serviços em nuvem estão cada vez mais confiantes em que o DMCA os
protegem", diz ele.
Uma preocupação é com que a repressão aos serviços de armazenamento
de arquivos possa assustar os usuários. O Megaupload pode ter hospedado
conteúdo pirata, mas também armazenou relatórios escolares e vídeos
caseiros que estão, agora, inacessíveis. "À parte de quaisquer outras
consequências possíveis, há um enorme problema para os clientes dos
’armários online’", diz Bridges, advogado da Fenwick & West.
Executivos de estúdios dizem estar interessados apenas em empresas
baseadas em pirataria, e não usuários legítimos. "Nosso objetivo é
perseguir os piores entre os piores", diz Michael Fricklas, conselheiro
geral da Viacom.
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